AS TRÊS CRISES INTERNAS NA EMPRESA ESTATAL

Há anos me pergunto o que leva uma empresa estatal a ter questionada sua competência em atender os objetivos e missão para a qual foi criada. Quais princípios orientadores são utilizados quando da realização de uma análise desses motivos? Tenho interesse em obter respostas plausíveis de analistas, mas, como sempre, deparo-me com uma cortina de mistérios e paixões – além de algumas explicações que não merecem ser debatidas neste espaço.
Entretanto, atrevo-me a discorrer sobre aqueles elementos que levam as empresas públicas – não todas – a serem questionadas por seu desempenho.
Os pontos sobre os quais escreverei são frutos de anos de estudos, pesquisas e percepções vivenciadas ao longo da minha carreira. Também estão baseados nas ações de desenvolvimento da instituição, tanto no aspecto de gestão, quanto nos processos de desenvolvimento de pessoas.
Infelizmente, as respostas nos levam a constatar que o descompasso interno está na prevalência dos interesses individuais dos gestores e na busca de benefícios de imagem e poder, principalmente entre aqueles para os quais as indicações políticas prevalecem sobre a competência em gerir a coisa pública, fato que interfere diretamente no desempenho das empresas estatais.
É claro que a Lei de Responsabilidade das Estatais amenizou o indicar por indicar dos parceiros políticos, mas não o suficiente para evitar que o apadrinhado, mesmo atendendo os requisitos, venha a gerir de acordo com os interesses políticos, em detrimento da melhor administração dos ativos da empresa.
Os elementos citados são os desencadeadores de crises internas. E essa gestão desequilibrada é que abala a estrutura organizacional dessas empresas.
Nas organizações, independentemente de segmento e tamanho, a gestão abrange três níveis, os quais devem interagir entre si. São eles: estratégico, tático e operacional.
A alta gestão é responsável pela estratégia; a gerência intermediária, pelas ações de execução das estratégias; a operacional/técnica, pela execução dos processos produtivos.
Os três níveis, quando interagem de forma harmoniosa, criam uma atmosfera saudável e desenvolvedora dos processos internos, atendendo assim sua missão. Porém, há crises que podem abalar a estrutura de uma organização. Umas são mais suaves e perfeitamente absorvidas; outras, por sua vez, mais profundas e assustadoras.
Quando a gestão estratégica atua em descompasso com o que foi planejado, permitindo que os interesses individuais de seus líderes se sobreponham aos da empresa, os níveis executivos sentem, mas suas ações não são atingidas diretamente a ponto de representarem prejuízo para a organização, pois a média gerência (nível tático) absorve esses desentendimentos de rumo.
Já quando a crise de competência atinge o nível intermediário de comando (gestão tática), mas a gestão estratégica é “una”, a organização deve rever os critérios de direcionamento de seus líderes, pois estando seu nível operacional com expertise e competência para execução dos processos, a crise é amenizada, e a empresa caminha relativamente segura quanto aos seus processos produtivos.
Até aqui falei sobre duas das três crises internas da organização. Mas ainda há a terceira, mais delicada, que deve causar preocupação ainda mais significativa à gestão dos níveis superiores: refiro-me à que ocorre no âmbito operacional/técnico.
Quando este nível dá sinais de desgaste, de falta de profissionais com capacidade e expertise para execução de processos, quando o descompromisso com a organização é latente, aí a empresa começa a sentir uma oscilação negativa de sua competência, o que pode causar uma resposta não muito saudável à sociedade.
Quando essas crises aparecem isoladas ou casadas entre os níveis estratégicos e intermediário, mas a organização possui um nível operacional capaz e competente, a empresa sobrevive aos percalços das duas hierarquias superiores. A preocupação deve acender a luz vermelha quando os três níveis entram em crise. Neste caso, a estrutura orgânica, financeira e de pessoal entra em declínio, e a falência é questão de tempo.
Não quero aqui tornar essa percepção uma verdade absoluta, pois todos sabem que ela é relativa. Tampouco pretendo encerrar o assunto neste ponto, já que há muito a se discutir sobre as organizações e seus processos de produção e serviços – principalmente a gestão da Roda Quadrada (mas isso é assunto para outro artigo).
Para concluir, lembro que as crises existem e possibilitam inovações e evoluções em qualquer ramo de atividade, sejam elas nas administrações públicas ou privadas, de serviços, e até mesmo no esporte.
Paulo Roberto Pereira Machado
Administrador pela ULBRA/RS
Especialista em Recursos Humanos pela PUCRS
Mestre em Negócios e Administração pela FGV/RS