A urgência de resgatar o ensino técnico

O Brasil vive um paradoxo educacional e profissional que precisa ser debatido com seriedade: a decadência do ensino técnico e, consequentemente, a desvalorização do profissional técnico.
Durante as décadas de 1960 e 1970, o ensino técnico era uma das vias mais prestigiadas para o mercado de trabalho. Instituições tradicionais, como a Escola Parobé e o Protásio Alves, em Porto Alegre, a Escola Técnica de Pelotas, hoje IFSul, e a Escola Técnica de Agricultura, em Viamão, formavam profissionais altamente capacitados que saíam praticamente empregados, muitas vezes recebendo salários superiores aos de recém-formados em cursos universitários. Essa valorização não era apenas simbólica — ela se traduzia em oportunidades concretas, reconhecimento social e mobilidade econômica.
No entanto, a partir dos anos 1980, esse cenário começou a se deteriorar. Parte disso se explica pelo esvaziamento industrial de cidades como Porto Alegre, que até então eram grandes polos empregadores desses profissionais. O bairro Navegantes, por exemplo, já foi símbolo de intensa atividade fabril. Hoje, no entanto, o que se vê são galpões fechados, marcas de um processo de desindustrialização que reduziu a demanda por técnicos qualificados.
Esse movimento coincidiu com a ascensão do discurso de que o ensino superior seria a única via legítima para ascensão social. O resultado foi um duplo impacto: de um lado, a queda na procura pelos cursos técnicos; de outro, a progressiva desvalorização salarial e social desses profissionais. A educação técnica, que já foi orgulho nacional, passou a ser vista como uma opção secundária, quando, na verdade, deveria ocupar posição central em qualquer estratégia de desenvolvimento.
E os números comprovam essa contradição. Segundo o IBGE, apenas 9% dos estudantes do ensino médio no Brasil estão matriculados em cursos técnicos, enquanto, na média da OCDE, esse percentual chega a 42%. O déficit é ainda mais preocupante quando se observa que setores como indústria, tecnologia e agronegócio clamam por profissionais com formação prática, que muitas vezes não encontram no mercado.
Além disso, estudos do Senai mostram que, até 2025, o país precisará qualificar cerca de 10,5 milhões de trabalhadores em áreas industriais, sobretudo técnicos de nível médio. Isso significa que, mesmo diante de um mercado sedento por mão de obra qualificada, seguimos negligenciando a formação que poderia suprir essa demanda.
É preciso enfrentar esse debate com seriedade e coragem. Não se trata de opor ensino superior e técnico, mas de compreender que ambos são fundamentais e complementares. O Brasil hoje é um celeiro do agronegócio, com exportações para o mundo inteiro, e precisa de engenheiros, mas também precisa — e muito — de técnicos em eletrotécnica, mecânica, logística, agronomia e tantos outros campos que sustentam a engrenagem produtiva do país.
Valorizar o ensino técnico significa investir em infraestrutura escolar, atualizar currículos alinhados às demandas do mercado, criar incentivos para empresas contratarem e remunerarem bem esses profissionais e, sobretudo, resgatar o prestígio social dessa formação.
Se quisermos construir um Brasil mais competitivo, justo e inovador, precisamos resgatar a centralidade do ensino técnico. Não se trata de nostalgia de um tempo em que escolas técnicas eram sinônimo de emprego certo, mas de uma constatação: sem técnicos valorizados, o desenvolvimento do país fica comprometido.
Adm. Jorge Avancini
Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil