A RODA QUADRADA

“Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve.” (Lucius Annaeus Seneca, escritor e filósofo do Império Romano; 4 a.C.)
Começo este artigo com essa frase pois ela define bem a organização pública na qual trabalhei por anos.
Também porque acredito, de fato, que quem não examina os caminhos trilhados por gestões anteriores tem retrabalho e bate nos mesmos obstáculos antes impedidores do desenvolvimento de uma organização.
Em meu primeiro artigo para este espaço, escrevi sobre as três crises de uma organização estatal, relacionando as causas e os reflexos que a atingem.
Não quero vincular diretamente essas crises às dificuldades que os gestores têm para planejar os rumos de uma organização; pretendo apenas dizer que tais dificuldades correm paralelas à visão de futuro.
Quando técnico da área de Recursos Humanos de uma companhia de saneamento, fui instigado por um superintendente a atender o presidente e fazer um pente-fino nas normativas da empresa.
Durante três meses analisamos as resoluções, ordens de serviço, circulares e memorandos.
Como tinha por obrigação profissional trabalhar com essas normativas, fiquei motivado a fazer uma limpa nas várias normas repetidas desde a fundação da empresa.
Sempre disse aos meus pares que se juntássemos as normas em fila indiana teríamos três quilômetros de normativas, muitas das quais repetidas.
Havia, por exemplo, determinações que proibiam os colaboradores de realizar determinado serviço fora da empresa em atividades ligadas aos objetivos da organização. Pasme: ao longo de 30 anos, tal proibição foi editada quatro vezes sem revogação da versão anterior. E isso aconteceu com várias normativas.
Compartilho esse exemplo para registrar a expressão “Gestão da Roda Quadrada” – ou seja, aquela que se move a cada quatro anos com tremendo dispêndio de força de seus agentes para, invariavelmente, fazer a mesma coisa já realizada, quando, na verdade, bastaria solicitar aos técnicos uma revisão de normativas.
O que proponho debater, com isso, é o planejamento ineficaz das mesmas coisas sem uma cuidadosa verificação anterior de seu passado.
Não basta o discurso de que desenvolveremos o que foi feito e deu resultado e corrigiremos o que não foi eficaz e efetivo. Ouvi isso durante anos e posso garantir que muitas gestões ficaram apenas no discurso.
Mas o que a frase de Sêneca que abre este artigo tem a ver com o que discorri até agora? A roda, segundo o Dicionário Online de Português, é “peça ou máquina circular que se move ao redor de um eixo ou de seu centro, de forma continua e, normalmente, para a frente”. Ou seja, o planejamento, seja estratégico, tático ou operacional, deve ter um início, e seu destino final tem de ser preparado para o desenvolvimento, evolução e inovação dos processos envolvidos na produção de bens e serviços.
Entendo que mais indicado é partir de uma base sólida, de um planejamento efetivo, de um processo direcionado ao pleno desenvolvimento da organização, que busca atingir os objetivos de sua missão institucional, independentemente da época em que foi concebido e de quem o concebeu, passando por cima da máxima “foi concebido na gestão anterior, não sigo”.
Há ótimos exemplos de gestão voltada ao desenvolvimento da empresa. Entre os que conheço, posso citar um programa que tive o prazer de coordenar enquanto responsável pelo RH, na frente de formação e capacitação de engenheiros na área de saneamento, fruto de uma parceria que nossa companhia mantinha com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas.
O processo por nós implementado baseou-se em um curso da década de 70, de 200 horas/aula, devidamente renovado e adaptado à época de sua execução, cerca de 35 anos depois. Além das matérias cognitivas aplicadas quando de seu lançamento, os responsáveis pelo curso, para modernizá-lo, agregaram avaliação psicológica e estágios práticos em duas unidades diferentes de trabalho: a do próprio profissional e uma com a qual ele não possuía relação direta – e, portanto, desconhecia seu funcionamento (este tema, aliás, dá um novo artigo). Os resultados foram expressivos.
Lamentavelmente, gestões políticas – essas mesmas que vemos nos jornais todos os dias – têm causado um significativo descompasso em algumas organizações públicas e impedido práticas como a acima mencionada.
A constante troca de gestores, independentemente do tempo em que permanecem na empresa, costuma provocar descontinuidade, interromper projetos, obras e ações e afetar prioridades e metas.
A influência política nos destinos gerenciais e administrativos de algumas companhias é tão expressiva que tende a destruir os processos produtivos harmônicos já instalados.
Isso me faz pensar que a estrutura é mais uma máquina voltada a agir em favor da política: em seus corredores, muitas decisões administrativas são tomadas mais em prol do interesse individual – ou de um pequeno grupo – do que em benefício da própria organização.
Por Paulo Roberto Pereira Machado.